domingo, 19 de abril de 2009

Mitos e verdades sobre a Língua Portuguesa



A língua é um sistema ou conjunto de signos que os falantes de uma determinada sociedade usam para se comunicarem. Aproximadamente no final do século XIX surge um a ciência que tem como objetivo estudar os mecanismo e funcionamentos da linguagem, bem como suas mudanças ao longo dos anos, nasce então um novo ramo científico, conhecido como Lingüística. No Brasil a Lingüística chegou em 1950 e em 1970 chega a Lingüística Aplicada, um ramo da Lingüística que trata da linguagem com uma visão transdisciplinar, sob o prisma de diversos aspectos, dentre eles a Sociolingüística. Nesse contexto a Sociolingüística se encontra com a gramática normativa, e suas idéias opostas acabam gerando conflitos quanto ao uso e função da linguagem, entre os diversos conflitos o que mais ganha repercussão é o que trataremos a seguir. O lingüista Marcos Bagno em seu livro Preconceito Lingüístico, trata dos oito mitos pertinentes ao ensino do português que permeiam nossa sociedade.

O primeiro mito trata da questão da unidade lingüística, ou seja, que existe uma única língua no Brasil, o português, mas quando se fala em português, na verdade estão se referindo ao uso da norma padrão da língua, a gramática, considerada a única língua falada no Brasil, porém existem milhares de linguagens e variações que são postas de lado, por causa do grande mito de que língua é norma culta, mas as coisas não são bem assim, pois essa unidade, o português, é composta de muitas diversidades e suas variedades são muito bem distribuídas pelas diversas regiões geográficas do país.

O segundo mito diz que brasileiro não sabe falar português, quem fala bem são os próprios portugueses, isso é natural que aconteça, afinal é a língua materna a qual eles foram submetidos, agora o brasileiro, com a miscigenação, teve muitas influências na linguagem e do outro lado do oceano não foi possível (e não seria mesmo) continuar usando a língua de Camões. A língua vive em constante modificação e suas mudanças vão ocorrendo naturalmente, o português que dizem que brasileiro não sabe falar, trata-se da norma padrão estabelecida pela gramática normativa, que por sinal precisaria de muitas mudanças, pois em pleno século XXI, será possível que ainda usemos o mesmo português que Machado de Assis usou no século XIX ?. Claro que nós brasileiros sabemos falar o português, a diferença é que falamos de uma maneira diferente, particular e brasileira.

O terceiro mito vem dizer-nos o que ouvimos desde que começamos a aprender gramática normativa, de que o português é muito difícil. A língua portuguesa foi adquirida desde que nascemos, porém quando vamos à escola receber os 17 % de língua que nos falta aprender, a norma padrão, as coisas começam a se complicar, pois essa sim é difícil, porque tem diversas regras que muitas vezes não são claras e concisas ao aluno, e quando ele vai à escola para aprender algo que ainda não sabe, ao chegar vê sua língua desprezada pela gramática normativa.

Normalmente ouvimos dizer que pessoas sem instrução falam tudo errado, na verdade, como já foi citado acima, esse “errado” pode ser substituído por diferente, pois é isso que elas falam. Esse conceito que diz o mito quarto do "falar errado" surgiu desde o início do que mais tarde se tornaria a língua portuguesa, o latim. O latim clássico era falado apenas pelos senadores, políticos e pessoas do alto poder da época, nem mesmo suas esposas falavam esse latim. Ela e o restante da população falavam o latim vulgar. Como o número de pessoas que falavam o latim vulgar era maior que o clássico, essa linguagem evoluiu e hoje temos a nossa língua portuguesa originada desse latim vulgar. Então, esses brasileiros que falam "errado" na realidade seguem uma lei que existe em todas as línguas há muito tempo, a lei do mínimo esforço, pois o movimento que a língua faz, por exemplo, para pronunciar o R é mais fácil do que para pronunciar o L, temos aí um problema fonético, e essas pessoas fazem isso com tanta naturalidade que não conseguem desenvolver o outro movimento.

Segundo o quinto mito, todo mundo diz que o estado brasileiro que fala melhor o português é o Maranhão, só porque eles usam o pronome pessoal TU e o conjuga corretamente, entretanto, eles pecam em outras regras da gramática normativa. Isso comprova mais uma vez que não existe o certo e o errado, que tanto preconiza a gramática normativa, cada região do país fala de um jeito com suas particularidades, na verdade poucos são os que usam a norma padrão.

Muitos já ouviram a seguinte afirmação do sexto mito: "o certo é falar assim porque se escreve assim", porém eu gostaria de poder encontrar uma pessoa que fala tudo do jeito que realmente se escreve, pois acho que essa pessoa ainda não nasceu, porque por mais que a pessoa tente, não conseguirá falar do jeito que se escreve, e se falasse com certeza não seria um ser humano. Nós podemos perceber essas diferenças, se fizermos uma pesquisa com diversas pessoas das mais variadas regiões, e fizéssemos a transcrição fonética dos sons das palavras pronunciadas por elas, assim, veríamos como é difícil alguém pronunciar as palavras do jeito que realmente elas são escritas.

O sétimo mito diz que é preciso saber gramática para escrever e falar bem, esta afirmação é bem equivocada, porque se fosse necessário saber gramática para escrever e falar bem, naturalmente os gramáticos seriam ótimos escritores. Os falantes de uma língua, com estudo ou não, já usam uma gramática que está internalizada em seu cérebro, já a boa escrita e um bom falar dependerão exclusivamente da pratica, e com o tempo virá o aperfeiçoamento da técnica. A gramática surge por uma necessidade de padronização da linguagem, com as variadas regiões geográficas e os seus sotaques, seria complicado as pessoas se comunicarem, por meio da escrita, do jeito que cada um realmente fala, então surgiu a gramática e padronizou a língua para que (pelo menos) por meio da escrita pudéssemos nos entendermos, já que a língua é "uma unidade que se constitui de muitas variedades". O problema é que as pessoas ainda têm um grande preconceito lingüístico e consideram a gramática como única forma de linguagem.

O domínio da norma culta, segundo os gramáticos e simpatizantes, é instrumento de ascensão social, o que acontece, na realidade, em nosso país, é que há uma grande imposição por parte da classe dominante e do próprio governo quanto o uso da norma padrão, importância essa que a escola deve (ou deveria) desempenhar um papel fundamental. Mas isso não significa que somente os que dominam a norma culta ascendem socialmente, um exemplo histórico sobre isso foi a Revolução Francesa de 1789 que tirou do poder a classe social dos aristocratas, nobres e grandes proprietários de terra e no lugar deles ela colocou outra classe social, a dos burgueses comerciantes, banqueiros e industriais da cidade, que usavam uma linguagem simples. A mudança de classe social também significou mudança de variedade lingüística dominante.

Como vimos a língua portuguesa brasileira sofre imensos preconceitos, gerados pelo mal (ou nenhum) estudo da linguagem, pessoas que ainda têm um pensamento arcaico e não estão a par ou simplesmente vivem em sua ignóbil ignorância, abstendo-se das evoluções no campo científico da linguagem. O pior é que os preconceitos e a difusão dos mesmos partem dos gramáticos, profissionais que deveriam estar por dentro dos assuntos pertinentes a evolução da linguagem e ajudar a definir as diferenças de ambas, tais como suas importâncias, ajudando a esclarecer os leigos no assunto. No entanto eles criticam os lingüistas e até os ofende, mas como disse o lingüista Marcos Bagno em uma carta à revista Veja, sobre as críticas feitas pelos gramáticos aos lingüistas: "pessoas como o [...] só conseguem fazer sucesso entre os leigos, porque dizem exatamente o que as pessoas desejam ouvir: os mitos, as superstições e as crenças infundadas que, há mais de dois mil anos guiam o senso-comum ocidental no que diz respeito à língua." Com isso podemos verificar que ainda temos um longo caminho a percorrer em prol da diminuição do preconceito lingüístico.



Referência


BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
––––––. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 34. ed. São Paulo: Loyola, 2004.
* Trabalho elaborado à discilplina de Práticas Vivenciadas: Preconceito linguístico, pela aluna Cássia Nascimento, sob a orientação do professor Me. Marcelo Silveira da Faculdade Anchieta.

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