terça-feira, 3 de maio de 2011

Resenha da obra Ensaio sobre a cegueira de José Saramago




A obra literária Ensaio sobre a cegueira, produzida pelo contemporâneo escritor português José Saramago, narra a história de uma pandemia inédita, conhecida por cegueira branca, por meio de diversas pessoas que por ela são contagiados.


A doença se manifesta primeiramente num homem, quando ele está parado com seu carro no farol, e vai se propagando sucessivamente a todas as pessoas num curto espaço de tempo. Com isso, o Governo decide isolar os pacientes num manicômio fora de uso, mas, cedo se verifica que o poder de contágio supera todas as medidas preventivas que possam tomar. E somente através dos olhos da única pessoa imune à cegueira, a mulher de um oftalmologista, que vemos o cenário de degradação, tanto física como psicológica, em que a história dos habitantes do hospital se desenrola.


Dentro do manicômio, a comida torna-se pouca, diante da crescente sobrelotação do local e pela falta de abastecimento por meio de soldados aterrorizados pelo constante contagio. O asseio torna-se impossível, e das condições precárias de vida emergem atitudes de grande violência e egoísmo. Quando a cegueira atinge proporções gigantescas no mundo exterior ao manicômio, a mulher do oftalmologista conduz o seu pequeno grupo de cegos para fora do hospital, por meio de uma cidade que eles não mais reconhecem, povoada de imundície e da desunião global, em busca de mantimentos que parecem ter desaparecido com a visão. Depois de passar pelas casas dos companheiros em busca de familiares sobreviventes à cegueira, a mulher do oftalmologista leva o grupo para a sua casa, onde passam os dias e as noites acalentando a esperança de uma cura que lhes parece cada vez mais distante. É numa dessas noites que o primeiro cego lança um grito de alegria e anuncia aos seus companheiros que recuperou a visão. Um a um, e pela mesma ordem em que foram contagiados, os cegos voltam a ver.


Em Ensaio sobre a cegueira percebemos a crítica aos valores sociais de um mundo pós-modernista, pois quando não se vê, caem por terra às máscaras sociais criadas pelo homem, não se importando nem os nomes das pessoas (na obra nenhum personagem possui nome, eles são reconhecidos por características próprias) que segundo a mulher do médico são comparadas a cães, pois sem a visão só se reconhecem pelo cheiro e fala (ladrar).


O caos chega quando falta um sentindo para uma grande parcela da população que sem o respeito, o amor e os valores humanos, que estão sendo perdidos, valorizam o egocentrismo e a ganância pelo poder, somente o mal da cegueira branca, que levará às pessoas as condições mais críticas de degradação humana, poderá resgatar algum sentindo para a vida e proporcionar aos leitores uma reflexão sobre a condição humana.


Vemos na obra que apenas uma mulher, a esposa do médico, fica imune à doença, observamos que ela representa a última esperança para a sociedade, lutando com todas as forças para manter a consciência e o elo entre o passado e o presente, para que aquele não se perca. Com os olhos da esposa do médico, nós leitores podemos enxergar o grande caos que a pandemia trouxe a população e através deles o narrador onisciente descreve assiduamente cada espaço e é a partir dessa descrição que fazemos nossas reflexões da condição humana, nos colocando no lugar dos personagens.


A cegueira branca leva às pessoas aos estágios iniciais da vida, pois elas têm que apreender a viver de outra maneira, adaptando-se a falta de visão. Nesse contexto é deixado de lado o individualismo, que muitas vezes é freqüente em nossa sociedade, e é valorizado o coletivismo, porque o “eu” depende do “outro”. Ao mesmo tempo em que a cegueira branca priva as pessoas de verem o concreto, permite um olhar diferenciado diante da nova situação, pois sendo branca ela ilumina ao invés de levar às trevas.


A obra não nos dá uma solução ou direção a ser tomada a respeito da evolução da consciência humana, ela nos faz refletir para que possamos tirar nossas próprias conclusões. Podemos concluir, então, que o escritor José Saramago pretendeu com essa obra, que pelo titulo “ensaio” já nos deduzia a crer que haveria uma reflexão filosófica a respeito do assunto “cegueira”, induzir-nos a refletir sobre a real cegueira que está diante de nossos olhos e não a vemos, num mundo pós-modernidade que valoriza o individualismo, o pós-dever e o narcisismo hedonista.


Referência:


SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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